quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Nova Lepra


Dizem que entre os hebreus, o diagnóstico da lepra não estava a cargo dos médicos e sim dos sacerdotes. Ela era considerada evidência de pecado, que se traduzia tanto na corrupção da carne como na do espírito – não raro, era vista como expressão de um castigo divino. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa diz que, no sentido figurativo, “leproso” é aquele cujo convívio é maléfico ou extremamente desagradável, uma pessoa perversa, ruim, que provoca repulsa, nojo.

Desde a mais remota antiguidade a lepra está relacionada a algo muito repulsivo. São muitas as referências em várias culturas a essa doença que tem as mais negativas conotações de peste. Nos últimos tempos,  a informação, a ciência, a medicina e o esclarecimento tem servido para diminuir esse estigma. Cada vez mais, ao invés de lepra, de “leproso”, usa-se a denominação de “doente de hanseníase”. E as pessoas que sofrem deste problema estão sendo cada vez mais respeitadas e recebendo tratamento mais humanizado.

No entanto,  ao mesmo tempo que vai se retirando essa carga pavorosa ligada a hanseníase, uma atividade humana vai ganhando todas esses percepções horríveis e se caracterizando cada vez mais como a nova lepra dos nossos dias. Essa atividade é a política. No Brasil, onde vemos e vivemos a realidade cotidiana, a política já virou praticamente sinônimo de lepra e, muitas vezes, de algo até pior.

Nas últimas semanas estão sendo votadas na Câmara dos Deputados, várias alterações no jogo eleitoral brasileiro. Em tese, a intenção seria melhorar o processo político-eleitoral, eliminando falhas e reduzindo a influência da grana, do poder do dinheiro. Mas o que a maioria dos políticos faz é isolar a política, reduzir os espaços, tempos e a visibilidade da política e dos debates das eleições, numa espécie de mea culpa absurdo, com os políticos admitindo que a população precisa ser protegida dos próprios políticos, como se protege uma comunidade de uma doença.

Os nobres parlamentares brasileiros estão analisando propostas absurdas, como redução do já curto período de campanha de 90 para 45 dias. A ideia é reduzir os programas políticos e aumentar as inserções em formato de comercial, deixando a discussão mais superficial e caricata. Estuda-se também a limitação de linguagem publicitária, ou seja, querem que a politica se comunique sem usar técnicas de comunicação, num país que tem e faz uma das melhores televisões e uma das publicidades mais geniais do mundo.

Os meios de comunicação tem suas linguagens próprias, portanto, querer que um candidato vá pra a televisão ou rádio falando como se estivesse fazendo um discurso num plenário, torna a comunicação chata, inacessível, repulsiva, uma lepra cada vez mais perturbadora. Ou seja, isso só vai afastar ainda mais o pequeno interesse, principalmente dos mais jovens, de questões cruciais como orçamento, impostos, privatização, estatização, entre outros pontos vitais.

Outra ideia distorcida é proibir cartazes e carros de som, ou seja, tirar as campanhas da rua, tornar a eleição invisível, subterrânea, como se a política não fizesse parte da vida, como religião, esporte ou o comércio. Na suposta boa intenção de diminuir a força do poder político, não se ataca a raiz do problema, apenas se tira o sofá da sala para que a filha não transe com o namorado quando a família estiver fora.

A política age reativamente, com imediatismo, jogada para a platéia, ao invés de assumir seu papel da criadora de condições responsáveis para o desenvolvimento e a convivência social. Pouco ou nada se fala de financiamento empresarial, do excessivo número de partidos, de problemas estruturais. Ter campanhas mais baratas é necessário e possível sim, mas não é afastando a população da política que vamos esclarecer, atrair participação e contribuição de ideias dos cidadãos anônimos.

A comunicação política e eleitoral é um direito de cada cidadão e está prevista na Lei, assim como a comunicação pública de órgãos públicos. A sociedade já sabe que eleições têm custos, mas precisa entender que determinadas despesas são indispensáveis para que funcionem os poderes Legislativo e Executivo. No Brasil e em qualquer outro lugar do planeta, os custos de programas de televisão, rádio, cartazes, internet, não representam o total declarado na prestação de contas dos partidos aos Tribunais, significam apenas uma parte.

É preciso reduzir o custo das alianças eleitorais e isso se faz buscando formas de mudar os acordos feitos para se conseguir apoio de partidos, entidades, organizações e instituições. Não se engane (ou se deixe enganar), é esse o verdadeiro item mais caro das campanhas eleitorais que se repetem a cada dois anos no país.

O Brasil precisa punir os políticos ruins e incompetentes, bem como repensar os sistemas como um todo, em especial nessas questões mais profundas e que realmente fazem a diferença no resultado final, mas não pode fazer isso como quem joga defensivos agrícolas sem critério algum sobre a plantação. Vai conseguir matar as pragas, mas também o alimento.


quarta-feira, 5 de agosto de 2015

2016: O eleitor nos tempos de cólera.


Mais uma grande eleição se aproxima na jovem democracia brasileira. 2016 é mais um ano da micro política, ano de eleição de milhares de candidatos a vereadores, milhares de pretendentes a prefeituras, ano das conversas de porta em porta, eleição gasta-sapato e do investe muita saliva.

Disputa eleitoral do debate sobre milhões de mini, médios e macro problemas e ativação das redes sociais da vida real, dos colegas, dos primos, dos vizinhos, dos irmãos da igreja, dos times de futebol pelada e agora fortemente influenciados pela força devastadora das redes sociais na internet. A eleição acontecerá num momento de satanização dos políticos, raramente já visto no Brasil. Pode ser que esse sentimento se agrave ainda mais, pode ser que amenize, afinal, alguém já disse que política é como nuvem, cada vez que a gente olha vê de um jeito.

Mas o que teremos no ano que vem será um clima eleitoral onde não só os candidatos e governantes são vistos como seres abomináveis, como a política é vista por muitos como uma atividade demoníaca, quase uma nova lepra, a doença que era vista como um mal do corpo e da alma. Em 2016 não vão faltar candidatos tentando se descolar da política, tentando provar que não fazem parte desse “mundo perverso e nocivo”, tentando tirar proveito de um tempo de distorções que confunde todo o pensamento e o entendimento do que é o Legislativo, o Executivo e as agremiações políticas.

Do ponto de vista imediato, do interesse eleitoral, essa parece ser uma estratégia inteligente, mas logo se mostra errada e prejudicial. A verdade é que todos vão precisar da política para governar ou cumprir seus mandatos. Governar ou legislar é fazer alianças, coligação, pensar politicamente, juntar técnica com política. Dizer que se pode ser eleito sem se envolver com política, é como dizer que vai ter um bebê sem fazer sexo. E a política, como o sexo, pode ser feita com amor e idealismo, e não apenas para saciar desejos carnais.

O cenário é tenebroso. Quanto mais se condena a política, mais se abre espaço para aventuras irresponsáveis, caricatas e insustentáveis. Mesmo com todos os seus feitos e malfeitos, é a política que faz a roda da vida girar em todos os segmentos de atividade humana. E a missão de reavivar a política começa pelos políticos. Não se pode esperar de ninguém mais essa missão espinhosa, trabalhosa e complexa.

Os tempos de cólera só vão passar quando os políticos forem buscar nas origens da política a motivação para lutar por cargos e postos, incentivados por uma população realmente bem informada e engajada. É preciso buscar aquele desejo de melhorar a vida coletiva, de lutar contra o injusto, de influir no destino do mundo, aquela chama que faz alguém sair da sua rotineira vida pessoal para entrar na vida pública.


É possível sim reanimar a política. Tem muita gente anônima fazendo coisas diferentes, pensando em soluções para problemas, em inovação, em projetos para reduzir ou amenizar os dramas de um país tão jovem e tão carente de visões de médio e longo prazo. É justamente nestes tempos de ira e de descrença, que precisam surgir os visionários, os consistentes, os políticos de verdade para sinalizar ao eleitor que a terra não está arrasada e que a saída está nas mãos de cada um. E essas mãos precisam construir a saída pela única via possível, a via política.